O ato independente
A expansão de autores e editoras no concorrido mercado editorial brasileiro
POR GIOVANA ERTHAL
Registro da Bienal do Livro RJ 2019 / Acervo pessoal Giovana Erthal
Nas estantes, nas bancas de jornal, no colo de passageiros ou nas mochilas abertas no chão da sala, em muitos lugares é possível notar um livro. Um bem antigo, que retoma ao povo sumério e às suas placas de argila, ainda se faz presente na sociedade moderna, encontrando espaço até nas telas dos dispositivos. Contudo, se antes era um privilégio de uma minoria, assim como a escrita e a leitura, hoje as possibilidades de adquirir ou de escrever um livro se expandem a cada ano. A publicação independente, em especial, libertou aspirantes ao posto de autor da necessidade de possuir contrato com grupos editoriais tradicionais. Ao publicar por editoras, com menor investimento e alcance, ou de maneira autônoma, escritores brasileiros reinventam o modo de produzir e de consumir livros, ampliando não só a gama de histórias contadas, mas também o público de leitores no país.
O BALANÇO DO MERCADO
O 11° Painel de Varejo de Livros no Brasil, organizado em conjunto pelo Nielsen BookScan e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), apontou um crescimento em 2021 de 33% em volume comparado ao ano de 2020. O otimismo do setor se baseia no desempenho positivo das vendas de livros nos últimos anos, com destaque para os ebooks, que registraram aumento de 83% no primeiro ano de pandemia. Ainda que fatores econômicos atrapalhem a produção, tal qual o acréscimo de 24% no valor do papel no ano passado, é notável o interesse no mercado no âmbito de publicação e de consumo. Flaviane Botelho, fundadora da extinta editora Ruppell, destaca que “o cenário brasileiro conta com as editoras grandes, médias e pequenas, além das plataformas de autopublicação – como Amazon, Uiclap e Clube de Autores – e dos próprios autores independentes”. A competição para se destacar e, por conseguinte, para vender se acirrou, exigindo ainda mais esforços em todas as etapas de publicação.
Dessa forma, a disparidade entre empresas editoriais torna-se ainda mais evidente. Em embate direto pela atenção do público leitor, as editoras independentes variam nas maneiras de promover sua marca, anunciando brindes nos lançamentos e/ou desenvolvendo antologias de contos - em que qualquer um pode submeter um texto para publicação gratuita, mediante aprovação. “Muitas vezes, o leitor não é atraído nem pela capa ou pela história, ele é atraído por aquilo que acompanha o livro”, complementa Botelho. A quantia acumulada da pré-venda se converte nos produtos ofertados, viabilizando então um investimento mínimo antes da produção.
Além disso, a divulgação é uma parte primordial de qualquer companhia. O sucesso ou o fracasso de uma obra, para além de sua qualidade, possui ligação direta com os esforços de propaganda feitos antes do lançamento. “Os escritores precisam estudar, não têm como fugir, você também precisa fazer a sua parte no marketing. Não é só você jogar o seu texto lá e esperar que as pessoas encontrem”, ressalta Geovana Morais, que deposita muito tempo e estratégia para promover seus livros.
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Com a revisão, diagramação e capa prontas, a jovem autora dedica um mês apenas para fazer postagens nas redes sociais e gerar interesse no produto a ser lançado. O envolvimento com as fases de publicação é mais um dos pontos de divergência entre estar amparado por uma editora e trabalhar por conta própria. Enquanto o autor independente precisa se preocupar com a edição do texto, o visual e a divulgação, o grupo editorial dispõe de funcionários especializados em cada seção. Vanessa Pérola, escritora e psicóloga baiana, acrescenta:
Do outro lado do mercado e publicado pelo grupo Record, Rodrigo Barbosa elogia o cuidado na preparação dos originais, a competência dos profissionais envolvidos, a qualidade do projeto gráfico e da impressão, além da questão da distribuição. A temática do alcance, relembrada por Barbosa quanto ao acesso mais facilitado aos leitores, foi também pontuada por Raffa Fustagno, autora carioca que começou a publicar livros em 2016. “A diferença é poder ser lida. Em uma editora grande, você está em todo lugar. Enquanto no independente é uma luta para as pessoas te conhecerem”. O segmento independente, justamente por estar à margem das grandes e tradicionais companhias, sempre estará em busca de visibilidade. Nessa jornada, editoras e autores tomam decisões, priorizam etapas e definem suas estratégias, aceitando os riscos de acertar ou errar, de vender ou não. Para o capista freelancer Eduardo Erthal, são evidentes as prioridades da maioria dos independentes.
UM ESPAÇO SEGURO
“O mercado independente é totalmente voltado para a representatividade, que é muito importante. Eu acho que sem esse mercado, a gente não teria tantas opções”, responde Pérola ao ser perguntada sobre a diversidade na literatura independente. Tal pensamento é compartilhado por Eduardo Tadeu, que destacou o uso de “own voices” - quando o autor conta a sua própria vivência: “É curioso fazer esse recorte e ver que o segmento independente prioriza a representatividade. Por exemplo, pessoas trans, não binárias, negras e outras etnias raramente conseguem chegar em uma grande editora. Autores independentes fazem um trabalho excelente com inclusão de narrativas plurais.”
Tadeu, nascido em Tatuí, relembra como foi sua primeira publicação, que não se mostrava tão bem estruturada: “Eu só queria escrever uma história de dois meninos que se apaixonam”. Sua experiência inicial com o mercado se assemelha a de tantos outros jovens autores nacionais, que começaram suas carreiras na plataforma Wattpad - espécie de rede social para autores e leitores que permite a publicação gratuita de histórias. “Todas as formas de publicar serviram para o maior propósito que foi me mostrar que a arte não se cria da noite pro dia, textos não saem perfeitos na primeira escrita. O primeiro manuscrito nunca é o melhor. Arte é lapidável, sabe?”, destaca ele.