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O caso Booktok: um capítulo à parte

A reportagem também está disponível na versão em áudio no player abaixo:

POR GIOVANA ERTHAL

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Imagem: Máquina de datilografia / Fonte: Pixabay

Quando se pensa em literatura, lembra-se de livros. Não só de estórias, personagens ou autores, mas de livros. Aquela obra bem feita, com cheiro característico do papel. Mas hoje não é tão realístico falar de mercado editorial focando apenas nesse bem de consumo. O livro ganhou formatos e peculiaridades modernas. Ele adentrou as redes e se tornou mais um elemento da sociedade digital. No YouTube, a comunidade que fazia vídeos de sugestão ou crítica de obras ganhou nome: booktube. Em outro aplicativo, o Twitter, é o chamado booktt. E, em 2020, mais um espaço foi tomado pela paixão à literatura. A #BookTok conta com 72 bilhões de visualizações no mundo e seus derivados, como a #booktokrecommendations ou #BookTokChallenge, já ultrapassaram a casa dos milhões de views.

Fazendo o download - Contextualização

Em 2022, o TikTok ultrapassou a marca de 74 milhões de usuários no Brasil e no mundo já são mais de 1 bilhão ativos. A pandemia da Covid-19, em meados de 2020, alavancou a plataforma no ranking mundial de aplicativos, fazendo-a superar o Facebook na quantidade de downloads naquele ano. De acordo com a Brand Finance, empresa especializada na valoração de marcas, o TikTok cresceu mais de 200% no ano seguinte, 2021, atingindo o valor de $59 bilhões.

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Imagem: Aplicativo TikTok / Fonte: Pixabay

A expansão da companhia chinesa impactou diversas marcas e lojas independentes, já que possibilitou mais um espaço de mercado. Se no início era o entretenimento o carro-chefe, sedimentado nos desafios e danças virais, hoje o TikTok se mostra como terreno fértil às receitas, aos debates, às curiosidades e às recomendações. Desde dicas para viagem até decoração de casa, os criadores de conteúdo dão conta de um público de faixas etárias, nacionalidades, identidades de gênero e interesses variados.

Habemus livros!

Para a comunidade leitora, criou-se o BookTok onde são divulgadas promoções, críticas e recomendações de livros. Esse nicho se relaciona, quase exclusivamente, com o segmento juvenil e de ficção, o que corresponde a 50% do faturamento no mercado editorial brasileiro, segundo o levantamento do Sindicato Nacional de Editores de Livros. A lista mais recente de best-sellers do The New York Times (NYT), datada de setembro, mostra que o TOP5 do gênero de ficção é formado por livros que viralizaram no TikTok. 


Um dos fatores que mais impressiona os editores é a popularização de livros lançados há mais de 5 anos, fazendo-os ressurgir nas listas de mais vendidos de uma forma única. No mercado, existe o entendimento de que o melhor momento de venda de uma obra é logo após seu lançamento. O fenômeno do booktok, todavia, alterou essa dinâmica, fomentando a possibilidade de revigorar qualquer obra que ganhe destaque na plataforma.

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Imagem: Top5 Best-sellers NYT na categoria "Paperback Trade Fiction" / Fonte: The New York Times

It ends with us da norte-americana Colleen Hoover, publicado no Brasil como “É assim que acaba” pelo Grupo Editorial Record, foi lançado em 2016, mas nunca vivenciou momento de maior sucesso como agora. No Brasil, a autora superou a marca de 400 mil exemplares vendidos apenas em 2022 – o que excede a soma de vendas dos dois anos anteriores. Já são mais de 60 semanas na lista do NYT, enquanto emplaca outras obras no ranking, como Verity, Ugly Love (O lado feio do amor) e November 9 (Novembro 9). Outro caso notável foi o aumento de vendas de We were liars de E. Lockhart, traduzido para “Mentirosos” no Brasil e publicado em 2014. A autora contou à revista Forbes que soube do sucesso repentino do livro na plataforma através de conhecidos e isso a motivou a continuar tentando a publicação do prelúdio de sua obra mais famosa, o que se concretizou em maio deste ano com o livro “Família de mentirosos”. 


Para Nina Nóbrega, leitora carioca de 23 anos, o TikTok se consolidou no nicho literário de uma forma positiva, mas há brechas para interpretações equivocadas. “Algumas pessoas acham que os livros mais falados nas redes sociais são os melhores livros [do mercado] e não é necessariamente isso.” Ela conta que muitas obras virais a decepcionaram. Por vezes, de tanto ouvir falar de um livro surge uma curiosidade de saber como é, e isso não está obrigatoriamente relacionado ao interesse na história. O Instituto Pró Livro (IPL), em parceria com o Itaú Cultural, promoveu a Pesquisa Retratos da Leitura na última Bienal de São Paulo, que ocorreu em julho de 2022, e identificou que 28% do público entrevistado foi influenciado pelas redes nas leituras mais recentes. Esse grupo representava 13% na Bienal de 2019, evidenciando um acréscimo significativo em pouco tempo. 

“a leitura sempre foi uma forma de escape. Então, na pandemia, que você não tinha perspectiva nenhuma, a leitura foi um grande divisor de águas; começou a ser algo viciante. Eu lia para suprir esse buraco que eu tinha. Eu terminava um e já precisava engatar em outro”

Além disso, não foram três anos comuns entre as Bienais. Em sua maioria, a população conviveu com os desafios de uma pandemia, que impactou a vida em todas as possíveis vertentes. Como observa Nina: 

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A compulsão descrita pela leitora foi vista não apenas no Brasil como também nos Estados Unidos, que alcançou a marca de 757 milhões de unidades vendidas, incluindo obras físicas e digitais. Um ano depois, ainda no contexto pandêmico, o país registrou a venda de 825 milhões de livros

Imagem: Nina Nóbrega / Fonte: Acervo pessoal

Com uma influência sentida nos números, porém não comprovada por tantas pesquisas, as livrarias não poderiam ignorar o movimento saído das redes. As estantes destacadas com placas de “Queridinhos do TikTok” tornaram-se comuns, além dos selos com a mesma referência nas capas. Nos Estados Unidos, uma das maiores e mais influentes livrarias do país, Barnes & Noble, fechou uma parceria com a plataforma para promover leituras de verão, incentivando a atividade em detrimento do uso exagerado dos aparelhos celulares. É possível evitar o download do TikTok, mas a cada dia é mais difícil contornar suas influências na vida real.

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